Analisar a conjuntura política do Brasil em meados de 2024 significa conciliar um pessimismo de longo-prazo com a expectativa de melhoras imediatas, porém talvez apenas miragens. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) enfrenta as piores taxas de aprovação desde o início do mandato há 17 meses somado ao cenário abstrato das eleições municipais em outubro e um presidencialismo cada vez mais enfraquecido e praticamente em crise terminal após a saída do próprio Lula.
O ponto crucial dessa turbulência institucional alcançou um patamar didático quando o petista Jean Paul Prates foi demitido da presidência da Petrobras: sua missão foi “precocemente abreviada na presença regozijada de Alexandre Silveira e Rui Costa” segundo o próprio executivo demitido. Tempos antes Prates entrou na mira dos ministros da Casa-Civil e de Minas e Energia após se abster em votação do Conselho de Administração referente ao pagamento de dividendos para acionistas minoritários, posição essa defendida nos bastidores pelo ministro da fazenda Fernando Haddad visando a estabilidade do setor e harmonia com o mercado.
Haddad representa a ala do governo defensora da responsabilidade fiscal e moderação de gastos, enquanto Rui Costa, Silveira e Gleisi Hoffmann (presidenta do PT) estão alinhados como desenvolvimentistas, ou seja, simpatizantes do gasto público e Estado maior como propulsores da transformação nacional. Essa intensa disputa custou a cabeça de Prates- que conduzia a Petrobrás com resultados excelentes- e parece estar longe de acabar: enquanto isso, Lula deve se equilibrar entre os 2 pólos e até mesmo usá-los como porta-vozes conforme preciso emitir recados sem ferir a polidez da presidência.
Inevitável presumir que a guerra interna do próprio governo prejudica o campo da articulação política com o Congresso Nacional e setores estratégicos da sociedade civil.
A falta de rumo e indecisão, além da sabotagem mesquinha entre colegas faz com que seja escancarada a fraqueza do Governo Lula nas casas legislativas, cada vez mais empoderadas através de um “semi-parlamentarismo” em que legislador definem os rumos nacionais conforme suas vontades individuais, mas ao mesmo tempo se sentindo livres para descarregar todo ônus social nas costas de Lula e seu governo: no dia 28 de maio, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal derrubam vetos do Governo Federal a respeito das chamadas “saidinhas” para presidiários em datas comemorativas ou especiais. O líder do governo na Câmara José Guimarães (PT-CE) pomposamente declarou anteriormente que os vetos de Lula seriam mantidos, poucas horas depois o Governo sofreu uma derrota estrondosa. De quem é a culpa pelo fracasso?
Em votação simbólica, a Câmara dos Deputados aprovou a taxação de 20% para compras internacionais de até US$50, dias antes o presidente Lula tinha indicado “tendência em vetar” a taxação se a proposta aprovada no Congresso fosse o original de 25%. Impossível não aceitar que a decisão da Câmara foi derivada de um acordo multipartidário e com aceitação do Governo Federal, porém o que poderia Lula fazer? Se vetasse, o Congresso simplesmente derrubaria o mesmo veto em sintonia com os interesses do setor varejista e logo em seguida aprovaria a taxação em 25%. Permitir o valor de 20% foi a única saída possível para o Governo Federal aliviar a situação e não colher mais uma derrota, Lula faz milagres de sobrevivência frente ao Congresso mais reacionário de nossa história- esse eleito com permissão do povo brasileiro- e ver setores médios o rechaçando como covarde ou traidor apenas explicita a falta de educação política básica da população ao analisar conjunturas. Uma população que não consegue admitir sua culpa em eleger tal classe grotesca de deputados e senadores, mas se sente no direito de apontar seus mísseis verbais para o presidente popular: o povo é estranho.
O Governo Lula também foi derrotado em votações referentes às Leis de Diretrizes Orçamentárias e a um antigo veto do Governo Bolsonaro a respeito de Fake News- tragédia atrás de tragédia.
A verdade nua, crua e cruel sobre as falhas na articulação política do Governo Lula é que o problema está no nosso presidencialismo de coalizão. Em mandatos anteriores, Lula seguiu a tradicional fórmula de ceder ministérios e cargos em troca de apoio partidário hegemônico em votações legislativas. Esse modelo foi acolhedor com siglas menores do tipo PTB e PR até alcançar o então gigante PMDB dos anos 2000: em geral tudo correu bem- descartando a farsa do Mensalão- e Lula teve estabilidade para governar, assim como Dilma Rousseff (PT) também teve em seu primeiro mandato- apesar de suas deficiências pessoais para a política.
Voltando para 1993, Fernando Henrique Cardoso diagnosticou a força crescente do Congresso Nacional como tóxica para o Executivo, pois como foi dito antes, o Congresso empoderado define as políticas e o Governo arca com os ônus: o Príncipe dos Sociólogos receitou a adoção do parlamentarismo como a melhor forma de romper a contradição de poder existente e restaurar o equilíbrio institucional. Naquele ano sua posição foi derrotada em plebiscito, ironicamente Lula e o PT também estavam nas trincheiras do parlamentarismo (com menos comprometimento do que o PSDB). O tempo passou e tanto FHC quanto Lula tiveram passagens estáveis pela presidência: o tucano se coligou com o PFL e Lula adotou o modelo citado anteriormente.
Após o Golpe de 2016, o Governo Temer se mantém de pé ao ceder espaços executivos para o Legislativo: desde emendas milionárias individuais até as bilionárias emendas de relator que foram consolidadas no Governo Bolsonaro, o mesmo que capitulou ao chamado Centrão nos postos estratégicos, escapando assim do impeachment.
Após eleito, Lula infelizmente foi pego de surpresa com esse apetite insaciável do baixo clero congressual- o petista cedeu o Ministério do Turismo, Portos e Aeroportos e Esportes, além de diretorias na CAIXA- conseguindo apenas sobrevidas de tempo limitado por parte dos parlamentares. Em tese o Governo deveria contar com apoio garantido do União Brasil, PSD e MDB somados com com uma base decente no Republicanos e PP, porém na prática as bancadas partidárias em momentos-chave liberam seus deputados para votar seguindo orientação individual, na imensa parte do tempo contrária a Lula. Não adianta colar a responsabilidade no ministro das relações institucionais Alexandre Padilha ou no próprio Lula se o jogo está desequilibrado e com cartas marcadas favoráveis ao Congresso: enquanto a população brasileira não aprender a votar para o Legislativo, seguiremos restritos à boa-vontade do mau e ao atraso parlamentar. Vale lembrar que em 2026 cada estado votará para duas vagas no Senado Federal, correndo o risco do bolsonarismo atingir quórum para maioria absoluta e impeachment de ministros do STF.
Por falar no Poder Judiciário- bicho-papão da extrema-direita nacional- Lula compensou muitos desgastes no Congresso aprofundando sua relação com os togados de Brasília: com Ações Diretas de Inconstitucionalidade a AGU e movimentos sociais derrubaram o monstro do Marco Temporal para terras originárias e obtiveram uma vitória no embate da desoneração da folha de pagamento. A judicialização da política é um fenômeno existente desde a República do Galeão em 1954 e escancaradas com o Mensalão e a Lava Jato. Os mesmos que reclamam desse fenômeno são os que mais o invocam quando derrotados na arena política, à direita e à esquerda: sem sombra de dúvidas o Judiciário tomou gosto no papel de árbitro institucional e praticamente passou a legislar, porém agora que o ressentimento do Congresso foi ativado, o STF e as cortes superiores moderam sua atuação política e enviou gestos de conciliação- absolvição de Moro no TSE após intervenção de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Recentemente um ministro do STF alegou em off que “O Governo escalou um time da série B para jogar a Champions League”, em geral se indica um desgaste no Judiciário em dividir o ônus com Lula.
Em 8 meses ocorrerá a renovação das mesas-diretoras das casas legislativas, novamente tudo é uma incógnita no jogo de bancadas. O Centrão tem um excesso de pretendentes a atingirem a cadeira máxima da Câmara, o que abre espaço para o Governo Lula barganhar a formulação de uma candidatura que trate no comando o Palácio do Planalto com mais respeito do que Lira (PP-AL) tratou. Por falar no atual presidente da Câmara, ele articula o nome do deputado aliado Elmar Nascimento (UB-BA) para sucedê-lo na votação, porém o mesmo encontra enorme resistência do PT e do próprio Governo. Como alternativa, Lira ultimamente estimulou seu companheiro de partido Doutor Luizinho a concorrer, porém essa alternativa não é levada a sério.
Já o Governo Lula pretende selecionar um candidato independente ou minimamente alinhado para a disputa: impossível o PT lançar nome próprio, correndo o risco de repetir o fiasco de 2015 após a vitória de Eduardo Cunha. Governistas dialogam com o presidente do Republicanos Marcos Pereira- nome de forte trânsito na casa- porém o favorito do PT é Antônio Brito (PSD-BA), único a votar contra o impeachment de Dilma em 2016 e o mais progressista dos cotados. Também corre por fora o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL). A definir o vot bolsonarista do PL que pode decidir ou se isolar.
No Senado a disputa caminha para o retorno de Davi Alcolumbre (UB-AP) ao comando da casa, patrocinado pelo seu padrinho Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Uma vitória de Alcolumbre enfraqueceria as chances de Elmar na Câmara, devido ao interesse de evitar a hegemonia de um só partido no comando do Congresso. Mais alinhado ao Governo Lula, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) também é cogitado, apesar de pouco provável sua candidatura.
Na prática, as votações para presidências da Câmara e do Senado podem ser um fiasco ou um alívio para o Governo em seu último biênio, porém ainda assim um sintoma da doença eleitoral que assola o voto popular para o Legislativo e a incapacidade do campo progressista em se comunicar para aumentar suas bancadas.
Escrevi anteriormente que Lula vive seu pior momento de avaliação popular, apesar de uma série de vitórias e resultados positivos desde 2023. O Brasil está em bons caminhos, mas infelizmente o eleitor não consegue acessar nem sentir essas vitórias, alienado das novidades também por incompetência do Governo, as classes C e D se afastam do bom-humor que a racionalidade esperava.
O risco disso? Derrota da esquerda nas eleições municipais. Por mais que as mesmas sejam focadas em questões de conjuntura locais, não se pode desprezar a nacionalização da disputa, principalmente nos grandes centros urbanos, caminhando ao lado da popularidade do PT como partido mais notório da sociedade. Guilherme Boulos (PSOL-SP) estagnou nas pesquisas para a prefeitura de São Paulo, enquanto Ricardo Nunes (MDB) vem crescendo lentamente e já está empatado com o esquerdista. Espera-se que com o início da campanha, Lula e Marta Suplicy direcionem o eleitor mais pobre para a candidatura do PSOL, porém o sinal de alerta já está ligado.
O mesmo sinal está ciente da inevitável subida disparada do PL e da consolidação das siglas do centro e centrão como donos da maioria das médias prefeituras: há muita luta pela frente.
EM SÍNTESE: boa parte dos problemas resumidos aqui são consequência da reorganização bem-sucedida da extrema-direita global, principalmente na Europa e com a possível volta do condenado Trump nos EUA.
A lentidão do PT em se renovar para o futuro, a falta de habilidade de alguns quadros estratégicos no trato e trabalho e a não-transformação social do Brasil nos forçam a recorrer à dependência da brilhante figura do presidente Lula, mas que infelizmente não é eterna, caminhando assim para derrotas profundas no longo-prazo. Apesar do pessimismo desse texto, não classifico a derrota permanente como inevitável, porém a mudança é demandada para AGORA.
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