Argentina entre Justicialismo e barbárie
- enricommattos
- 15 de nov. de 2023
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“O Brasil não é para amadores” teria dito Tom Jobim sobre o gigante tropical da América Latina. Uma nação fundada e criada na lógica da Casa grande e Senzala com idas e voltas políticas e sociais: Império, República, ditadura, desigualdade, golpes e fracassos institucionais moldam a turbulenta história nacional.
A mesma lógica pode se aplicar a Rússia, tradicionalmente associada com a palavra instabilidade, pátria eslava sempre discriminada e rejeitada pela metade ocidental da Europa. Existiu sob um czarado dominado pelas elites boiardas, passou por um fracassado governo provisório, fundou o primeiro Estado marxista da humanidade e se transformou em uma ditadura policial no século XXI.
Mas não é nenhum desses nomes que se pretende analisar, e sim a sofisticada vizinha do Brasil, a Argentina, que carrega o melodrama de Gardel e a intensidade de Maradona em suas veias históricas e cotidiano.
Foi destaque na mídia brasileira o debate final antes da votação de segundo turno, ou ballotage, entre os candidatos Sergio Massa e Javier Milei. Tornou-se evidente mais uma vez a pública e notória incapacidade cognitiva do postulante opositor Milei, o “Bolsonaro argentino”, em formular frases e manter presença estável, algo que foi prontamente aproveitado e explorado por Sergio Massa, o candidato-ministro que surpreendeu ao ser líder da votação no primeiro turno, enquanto administra uma economia com inflação de 120% e uma moeda cada vez mais desvalorizada.
O drama argentino se dá na eleição mais incerta e acirrada desde sua redemocratização em 1983, e é a partir disso que se torna necessário opinar e fixar posição em prol do desenvolvimento e unidade da América Latina como região emergente e autônoma frente ao imperialismo externo.
Milei é o perigo que se materializou nos EUA e no Brasil com Donald Trump e Jair Bolsonaro. É a encarnação da insatisfação irracional e ardente contra toda representação política democrática após conjunturas que fizeram setores populares perderem a fé na própria democracia. O resultado disso já sabemos, ambos os países lutam até hoje com a memória e o pesar das centenas de milhares de mortos na pandemia, além das insurreições golpistas instigadas pelos tiranos derrotados.
Felizmente a população argentina tem uma vantagem que a maioria dos países latino-americanos também contam graciosamente: A memória da ditadura militar, suas censuras e mortes. A Argentina é exemplo histórico de punição e conscientização civil contra os genocidas fardados que usurparam o poder em 1976. Seus ditadores foram devidamente julgados e encarcerados, a casta das forças armadas reduzidas e o compromisso institucional com Memória, Verdade e Justiça fixado. A principal contribuição com a defesa da pauta dos Direitos Humanos na nação hermana foi feita durante a chamada Era K, ou seja, nos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015). A mais notória ilustração desse fato está no icônico momento em que o presidente Néstor Kirchner ordenou que o corpo de cadetes baixasse os quadros oficiais dos ditadores na Escola de Oficiais, em 2004:

Não é à toa que as Mães e Avós de Maio sempre se mantiveram fiéis e estimadas militantes dos governos Kirchner e suas políticas sociais-democratas que representam um marco permanente na história do peronismo, principal força política do país.
Com a ascensão da extrema-direita global na década passada, a América Latina passou por um doloroso processo de condenação e rejeição da política institucional. A classe política é vista como exclusivamente corrupta e danosa, aconteceram processos e operações judiciais usando de meios teatrais para perseguir líderes progressistas. Isso aconteceu no Brasil com Lula, no Equador com Correa e na Argentina com o kirchnerismo. A ex-presidenta Cristina Fernández de Kirchner desistiu de mais uma candidatura presidencial em 2019, devido a sua complicada situação judicial, para apoiar seu ex-aliado e desafeto Alberto Fernández. Ele foi eleito com Cristina na posição de vice-presidenta.
O governo de Fernández assumiu o fardo de lidar com a herança maldita de Mauricio Macri, que aumentou vertiginosamente a inflação e quebrou o país na dívida aterrorizante com o FMI. Apesar da impopularidade do atual governo peronista e o enfraquecimento de Cristina Kirchner, o peronismo consegue se reinventar na figura do ministro da economia Sérgio Massa.
Muito mais ao centro do que a progressista Cristina, Massa conseguiu fazer uma campanha baseada na necessidade de convivência democrática e apelos pela retomada da fé na política. Já o seu adversário da extrema-direita Javier Milei se encontra sendo vitimado por suas próprias polêmicas, ao defender propostas de governo bárbaras e suicidas como a dolarização total da economia, a extinção do Banco Central, a regularização da venda e comércio de orgãos e por fim os acenos ao armamentismo.
Massa vem muito bem explicitando isso ao eleitor argentino em suas peças de propaganda e marketing, enquanto o debate serviu de prova prática de seu preparo e firmeza frente a baderna antagônica.
A maior ironia da noite foi Milei não ter conseguido usar seu melhor trunfo, as dificuldades econômicas da Argentina, para atacar Massa. Em uma intensa troca de papéis, o ministro encurralou o concorrente com uma série de perguntas Si o No que desequilibraram Milei.

Como brasileiros, temos que nos preocupar também com a importância desse pleito eleitoral nas relações diplomáticas. Milei em todas suas excentricidades já admitiu abertamente que pretende cortar integralmente todas as relações bilaterais de seu país com o Brasil e a China, maiores parceiros comerciais da Argentina. O candidato é adepto da estúpida informação de que o presidente Lula seria um “comunista” e “demagogo”, sendo portanto justificável o afastamento. Nem durante o governo do ex-presidente Bolsonaro o governo Fernández deixou de ter laços estabelecidos. Portanto, as ideias de Milei são um risco não só a seu povo, como a toda América Latina, ao Brasil e ao Mercosul. Mas qual a justificativa? Simples, Milei diz que o mercado externo não deve ser pautado nas relações entre Estado com Estado, e sim entre os indivíduos. Nada mais tolo e indefensável como muito bem mostrou Massa ao dar uma aula de geopolítica comercial e escancarar novamente a burrice do ultradireitista.
Massa pode ter todos os defeitos políticos como sua falta de concordância expressa em relação a qualquer corrente ideológica ou suas idas e vindas passadas. Porém é inegável que seu pragmatismo e experiência são os melhores meios e opções a serem escolhidos no dia da eleição, não só devido ao seu compromisso com a democracia, como também por ser aliado de primeira hora da estabilidade social necessária.
Do lado de Milei não estão só seus eleitores, as promessas extremistas e o terror sensacionalista, como também aqueles responsáveis diretamente pela situação atual da pobreza e miséria argentina: O ex-presidente Maurício Macri e Patricia Bullrich, candidata da coligação neo-liberal que amargou a terceira colocação no primeiro turno. Não é atoa que a rejeição de Milei cresce intensamente nessa eletrizante reta final, dando esperanças de que a Argentina poderá voltar a esperançar ao invés de chorar nas botas daqueles que pretendem destruí-la.
Apoiamos Sergio Massa para presidente da Argentina, Por Evita capitana y por Perón General!
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